A levantadora Claudinha se despediu do Dentil Praia Clube em maio deste ano e deu uma pausa na carreira para tentar concretizar o sonho de ser mãe. E o sonho está bem encaminhado. Grávida de 4 meses de Maria Eduarda, Claudinha, 37 anos, conversou com o Globoesporte.com sobre futuro, maternidade, carreira, cobrança, diz que espera voltar a jogar, falou sobre as poucas chances que teve na Seleção Brasileira e revelou ter sofrido bullying e ameaças de morte nas redes sociais.
Claudinha hoje mora em Tubarão (SC), cidade do marido Pixote, que atua na Liga Nacional de Futsal pelo time que leva o mesmo nome da cidade. Revelada no São Caetano, ela tem passagens por clubes como São José dos Campos Praia (2008) – onde disputou a primeira Superliga do time de Uberlândia -, depois ficou quatro temporadas no Minas. Em 2013, fez parte do projeto Amil/Campinas do técnico José Roberto Guimarães, em seguida atuou no Sesi, retornou ao Praia em 2015 e construiu uma carreira de títulos e reconhecimento. Na temporada 2017/18, conquistou o primeiro título de Superliga com o Praia e foi a MVP da final, contra o Sesc de Bernardinho. No ano seguinte jogou em Osasco, mas novamente retornou à equipe do Triângulo. Em 2022/23 foi outra campeã da Superliga pelo Praia e mais uma vez a MVP da final. No currículo, títulos de Campeonato Mineiro, Supercopa, Copa Brasil, Sul-Americano, Superliga e participações no Mundial de Clubes. No total, entre idas e vindas, foram 10 anos defendendo o Praia.
Veja, abaixo, trechos da entrevista da Claudinha ao GE:
Gravidez
“O coração está explodindo de felicidade. A gente sempre teve muito pé no chão de saber que seria na hora que o Papai do Céu quisesse. Então eu e meu marido estávamos muito tranquilos em relação a isso. Só que a gente fica muito feliz de algo assim tão especial já ter acontecido, porque querendo ou não, eu tenho um objetivo de talvez voltar a jogar. A gente corre um pouco contra o tempo, então já ser abençoada realmente com o sonho, com exatamente o objetivo de ter saído das quadras, ficamos muito felizes”.
Seleção Brasileira
“Não tem mágoa alguma com ninguém. É tudo bem resolvido. Talvez o porquê de que eu não era nem cogitada a ser convocada, eu não sei. A gente não consegue saber pela cabeça das outras pessoas, mas não tem ressentimento algum. Eu só acho uma pena para mim. Eu não sei se seria uma jogadora de Seleção Brasileira ou não, porque eu teria que ser testada. Eu torço para as meninas, torço para o nosso Brasil, independente de quem esteja. Só fica realmente esse sentimento, de que era um sonho. Ou ainda é, vai saber, porque para Deus nada é impossível”.
Carreira
“Eu consigo me enxergar que eu tenho uma carreira brilhante e que se Deus permitir, ainda não encerrou. Eu queria ter conquistado muita coisa ali, mas isso não apaga também a minha carreira. Ter sido da seleção brasileira seria a cereja do bolo”.
Bullying e ameaças
“Eu recebi muita coisa, muita coisa. Antigamente, quando eu era mais gordinha, eu recebia muito bullying, muito. Eram apelidos horrorosos que colocavam. E era bizarro que as pessoas não mostram nem a cara, elas fazem perfis fake para querer agredir a gente de uma forma que eu falo que não é possível que uma pessoa tenha coragem de falar isso para outra. Eu já recebi de muitas pessoas, por exemplo, falando “pede pra ir embora”, “pede pra morrer”, umas paradas assim”.
Saúde mental
“As novas gerações estão vindo para ensinar muita coisa para a gente, inclusive a saúde mental. Antes, não se falava de saúde mental, não existia isso, era dado como fraco. “Ah, você tem alguma coisa? Você é fraco”. Pelo simples fato de você chorar, você era fraca. Eu sempre fui uma pessoa muito chorona, emotiva, então eu chorava fácil. Às vezes eu ia falar em público e já me emocionava, eu chorava, e nem era nada demais. Mas era meu, e isso era dada como fraca. Hoje em dia, as novas gerações falam mais, elas estão expondo mais os sentimentos. Hoje a gente tem outras formas de lidar com isso, temos mais profissionais, a nossa cabeça é muito mais aberta para buscar esse tipo de ajuda, então por que passar por isso sozinho? Por que não conversar com nossos familiares?”.
Insegurança
“É uma transição bem difícil. Eu vivi a minha vida inteira dentro das quadras, treinando, jogando, nessa rotina realmente de atleta profissional, para simplesmente parar. Por mais que eu tinha o objetivo de engravidar, passei por muitos momentos, pensamentos, abri a mente para outras coisas. Tive muita insegurança, muitas perguntas sem respostas. Agora que já estou gestante, tudo mudou, a chavinha virou e tudo mudou.
Rotina
“Eu continuei fazendo academia, um treino integrado de funcional do corpo que eu gosto bastante. Tentei também fazer o vôlei de areia para ter o contato com a bola. Só que aí foi bem no início que eu descobri que eu estava grávida e fiquei um pouco com medo de continuar. Mas se realmente esse sentimento de voltar para as quadras ficar durante a gestação, eu vou precisar ter o contato com a bola, Mas vai ser algo bem parado, bem específico, só para realmente ter o contato e não ficar um ano sem. Comecei a fazer aula de canto, que é algo que eu gosto muito. Sempre gostei muito de cantar, muitas pessoas falam que eu sou afinada, mas eu preciso aprender a técnica. Outra coisa que eu continuo fazendo desde antes de dar a pausa é a faculdade, eu faço Educação Física. Isso realmente não é um hobby, é algo importante que quis realmente dar mais uma intensificada”.
Gestação
“Nos dois primeiros meses da gestação, eu passei muito mal, eu não consegui curtir. Eu fiquei muito enjoada, sem disposição. A gente acha que por ter sido atleta, a gente aguenta tanta coisa. Mas é completamente diferente de tudo que eu passei na vida. Tinha dia que eu não conseguia lavar uma louça porque eu não tinha disposição. Eu não tinha fome. E eu ficava me cobrando: “Mas eu sou uma atleta. Eu preciso treinar, eu preciso malhar, eu preciso me manter ativa. Eu preciso comer saudável para o neném nascer bem”. Era tanta cobrança porque era tudo muito novo, principalmente no começo. Foi através de relatos de amigas, de outras gestantes, que eu comecei a seguir o processo e respeitei o meu corpo. A minha obstetra também é do esporte, e isso está me ajudando muito, porque ela me trata realmente como uma gestante atleta profissional, e isso faz muita diferença, porque o nosso corpo é diferente”.
10 anos de Praia Clube
“Nós passamos muitos perrengues (no início). Hoje a gente ver onde o Praia está mundialmente no voleibol é lindo. E isso foi sempre de uma forma que eu sempre gostei muito de trabalhar, que é degrauzinho por degrauzinho. Eles tinham de tudo para ser grandes já desde o começo, mas eles foram com o pé no chão, aos poucos, evoluindo e crescendo. Acredito que seja por isso que hoje o Praia é tão grande, porque realmente foram vendo como funcionava tudo e não foram de cara. O Praia é um clube que dá um grande suporte para todas nós fazerem realmente o nosso trabalho, que é o voleibol. Além disso, tem os torcedores, os sócios e não sócios, que nos acolhem muito bem. Cobram também, porque eu acredito que jogar no Praia Clube tem que entender isso também. Eu passei por alguns processos, de sentir na pele, aonde sempre “a culpa era da Claudinha”. Mas isso é um processo também, acredito que o ser humano é assim. Você está de fora, você está cobrando, você é a melhor. Mas isso é um processo, é um entendimento, de que quanto mais se ganha, mais vai ser cobrado para se ganhar”.
Cobrança
“Eu amadureci muito tarde. Por mais que eu não conseguia ver dessa forma, mas o tanto que eu evoluí, principalmente diante de tantos processos e de tanta cobrança, tanto de comissão técnica quanto de torcedores, quanto de sócios e além da minha cobrança, que eu acredito que seja a maior de todas. E eu sempre fui muito rigorosa comigo. Ainda sou, mas melhorei bastante. Hoje eu consigo ver que através do meu trabalho eu consegui conquistar muitas coisas que antes eu não via”.
Pressão
“Todo mundo me falava: “Você tem noção do que você representa? Você é uma das melhores levantadoras do Brasil”. E eu não me via dessa forma, porque eu não era uma jogadora de seleção brasileira”. Então na minha cabeça, eu não era uma das melhores levantadoras do Brasil, porque eu não pisava em uma Seleção. Só que não pisar em uma seleção brasileira talvez não tenha nada a ver comigo. Eu estava disponível. Agora, se achavam que eu tinha capacidade para estar lá ou não, não dependia de mim. O que eu tinha para fazer é dar o meu melhor dentro de quadra. É levar o meu time em finais, é ganhar títulos. É ser MVP em finais aí. Seleção seria uma consequência. Muitas vezes eu esperei isso e me frustrava. Então eu parei de criar uma expectativa com isso e comecei a realmente a ver de outra forma”.
Críticas
“Antigamente, não se falava em depressão, não existia isso, você era dada como fraca, então você se calava. Não sei como a gente lidava com todas essas coisas que a gente sentia sozinha. Eu, por exemplo, não falava, porque na minha família sempre teve muito problema, então eu não queria levar mais um problema. Então muitas vezes eu deixava o meu problema de lado e só vim a trabalhar algumas coisas que eu precisava trabalhar na minha vida depois de mais velha. No início, realmente eu não falava para ninguém. Às vezes eu ficava em casa mesmo, martelando aquilo e acreditando. De cada 10 comentários de “Claudinha, maravilhosa”, um do tipo “nossa, você é péssima, você é ruim”, você fica só com esse comentário na cabeça, era impressionante. E aí ficava remoendo aquilo, você começa a acreditar naquilo, e eu não comentava com ninguém, tentava esquecer. Na verdade, sempre foi uma motivação a mais para eu querer treinar mais, para eu querer mostrar mais, não só para a pessoa, mas principalmente para mim mesma, de que eu podia ir muito além. De que eu podia evoluir cada vez mais e chegar aonde eu cheguei hoje, e deu certo”.
Redes sociais
“Principalmente no final de temporada, eu tiro os comentários das pessoas, eu tiro para não chegar mais mensagem para mim, porque é bizarro. É injusto com quem torce, com quem está ali apoiando a gente e que quer mandar sempre uma mensagem de apoio, mas depois do que eu passei ao longo desses anos e através de ajuda, de terapia, tento me blindar um pouco. Hoje a gente vê que a rede social é muito forte, mas ela pode acabar, como ela pode valorizar. Então você tem que saber muito bem ali como lidar com tudo”.
Maria Eduarda à caminho
“Eu quero que ela me veja como uma melhor amiga dela, que ela possa contar todos os sentimentos dela, desse processo. Até me emociona. Mas ao longo da vida dela assim, de todos os desafios que ela vai passar, que ela saiba que eu vou estar ali com ela para tudo e por tudo, tudo o que ela precisa, ela vai com certeza contar comigo e com o meu marido. Nós vamos estar ali por ela. Que ela valorize realmente as coisas que mais importam da vida, que não são as coisas materiais, mas as coisas sentimentais, são as pessoas que valem a pena realmente”.