Em três temporadas no vôlei brasileiro, Facundo Conte conseguiu construir uma bonita história. Um ano em Taubaté (SP) e dois em Belo Horizonte (MG), títulos e a certeza de todas as torcidas: o filho de Hugo Conte é tão craque quanto o pai.
Rivalidade Brasil x Argentina? Ele garante que não sente. Aliás, vai além: diz que não existe. Em entrevista ao site da CBV, o ponteiro fala sobre a alegria de morar no Brasil, sentir de perto o estilo de vida do brasileiro e poder sair de casa apenas de chinelo, bermuda e camiseta, depois de sofrer com rigorosos invernos na Itália, Polônia, Rússia e China.
Há uma rivalidade entre Brasil e Argentina que você nem deve ter sentido tanto, já que o público do vôlei brasileiro curte muito o seu trabalho. Como é no dia a dia, em especial quando havia esse contato físico depois dos jogos?
Eu acho que essa rivalidade não existe. Temos muitas coisas parecidas, que nos juntam mais do que diferenciam. A questão está sempre ligada a futebol, Pelé, Maradona, quem é melhor, e ao invés de pensar assim, deveríamos pensar que o Brasil e a Argentina têm os melhores jogadores. A irmandade sul-americana é muito mais forte. No vôlei, sempre fui muito bem recebido. Senti muito carinho da torcida do Brasil e por isso gosto muito de estar aqui, jogar aqui. Com certeza está fazendo muita diferença a questão de não ter torcida, que a daqui é sempre muito animada. Jogar sem a torcida está sendo um desafio muito grande para mim, que sou muito emotivo. A torcida me ajuda muito a fazer o meu melhor. É lindo sentir essa emoção nas quadras. Mas, volto a dizer que não acredito nas diferenças, mas na semelhança que nos une. Isso é muito importante para me sentir tão feliz aqui.
Em outros lugares, fora do vôlei, já sentiu essa rivalidade?
Também não. Fora do vôlei, às vezes tem uma brincadeira ou outra, citam Maradona e Pelé, mas conheci muita gente que diz que ama a Argentina, que diz que conheceu o país e que quer voltar. Isso é muito importante para mim. Sou um argentino amando o Brasil, querendo morar aqui, curtindo a vida. Tem muitos jogadores argentinos no vôlei, no futebol, e todos são muito bem recebidos. É muito lindo. Eu não sinto essa rivalidade. É só um costume do futebol que eu acho que, na prática, não existe.
Você já declarou algumas vezes que gosta muito de jogar no Brasil. Qual foi o principal momento já vivido por aqui dentro e fora de quadra?
Sim, já declarei muitas vezes o quanto eu gosto não só de jogar aqui, mas de morar aqui também. O Brasil é um país muito lindo, muito parecido com a Argentina, com a nossa cultura. Eu gosto muito da vibe brasileira, que é muito parecida com a minha. O momento mais lindo já vivido aqui, fora das quadras, foi o carnaval, que foi uma das melhores experiências que eu tive na vida. Consegui ir a Sapucaí, no Rio de Janeiro, e curti demais. Além disso, também a vibe de toda a cidade de Belo Horizonte me encanta muito. Essa alegria da vida, de comemorar o carnaval, foi muito lindo de ver. Também gosto muito da natureza que o Brasil tem, as praias, eu amo praias, sou fanático, e gosto muito dos esportes na água também. Então, vir ao Brasil e morar por tanto tempo me permitiu ter ainda mais contato com tudo isso. Aqui, você sai um pouco da cidade e tem muito mato, animais, natureza. Gosto muito do Nordeste, tanto que resolvi morar lá também. Viver essa questão da liberdade junto a natureza é incrível. Acho que a gente nem sabe o quanto é afortunado por ter tudo isso aqui. A possibilidade de poder curtir isso aí é sensacional. Provavelmente uma das melhores vivências que tive na vida.
Na terceira temporada consecutiva no Brasil, você pode dizer que é completamente adaptado ao estilo de jogo e de vida do brasileiro?
Completamente adaptado. Ainda com um pouco de sotaque (risos), mas a língua é muito parecida com o espanhol. Depois de ter morado em países tão diferentes, poder me comunicar, conversar e entender todo mundo é muito importante. Como bom virginiano, gosto muito da comunicação, então a possibilidade de poder me comunicar, me informar para entender mais a cultura, os costumes, é espetacular. Me sinto muito bem e feliz aqui no Brasil. A primeira temporada já foi sensacional, me adaptei muito rápido e muito também porque tive a possibilidade de jogar com Marlon (levantador brasileiro) na Rússia. Na época, falei que queria aprender a falar português e a gente já começou a conversar e eu a treinar ouvido, para depois, quando cheguei aqui já ter uma base boa. Depois de três anos, me sinto muito, muito bem. Com certeza é o lugar que eu mais curto em jogar e viver.
Depois de jogar em vários países, o que move você a buscar sempre novas experiências?
Já joguei em muitos países, muito diferentes, e acho que hoje, além da experiência do vôlei, do trabalho, tento aproveitar as experiências nos lugares onde estou para aprender, saber mais, conhecer mais, sair da zona de conforto. Essa possibilidade de viver em países tão diferentes foi sensacional. Fez uma parte importante do que eu sou. E ter vindo para o Brasil depois de muitas voltas pelo mundo me ajudou muito. Ficar tão próximo da Argentina, em vários sentidos, me fez muito feliz. Hoje procuro sempre ter experiências novas dentro e fora do vôlei. Isso é o que me motiva a querer mais, a querer coisas diferentes. Acho que aí está o aprendizado. Quando fica confortável nos lugares, a gente deixa de conhecer os próprios limites. E ter a possibilidade de me adaptar a coisas diferentes foi muito importante no meu desenvolvimento como pessoa.
E qual é o maior aprendizado nessa sua experiência aqui no Brasil?
O que mais me deixa feliz em toda a experiência no Brasil é esse contato com a nossa cultura sul-americana. Saí muito cedo da Argentina, com 18 anos, quando foi pra Itália, comecei a rodar, fiquei muito longe, sozinho em outros países, e ter vindo para cá, ter me conectado de novo com isso, me faz mais feliz do que antes. O clima, o chinelo, bermuda e regata me fazem sentir bem. Isso e ajuda muito a me conectar com o que está dentro de mim. Depois de jogar tanto tempo no inverno, agora estar perto da praia, da natureza, me ajudou muito a me reconectar com essa parte de mim. Acredito que é a minha vibe também. Essa simplicidade é uma das coisas que mais me encanta aqui tanto no trabalho, como fora do vôlei. A experiência aqui é ótima. Estou muito feliz por tudo que estou vivendo aqui. Há poucos dias conseguimos mais um título, importantíssimo para o time e pessoalmente para mim, que vim aqui para ganhar, mas também para viver. O jeito brasileiro me conectou ainda mais com a alegria de viver.
Segundo a CBV, após encerrada a entrevista, Facundo Conte pediu a palavra. Quis deixar um recado para a torcida do vôlei:
-Já que falei da natureza, e a importância disso para mim, gostaria muito de compartilhar o interesse, a preocupação e o comprometimento no cuidado da nossa casa, do nosso planeta. Acho que imersos a realidade que a gente vive, não dá importância na hora de fazer as escolhas. Todos os dias temos a oportunidade de escolher tudo que fazemos e é muito importante todo mundo começar a escolher melhor. Precisamos cuidar melhor do consumo e dos desperdícios dos recursos que o planeta dá para a gente. O planeta não precisa só de ecologistas perfeitos, mas de pessoas conscientes. Cada gesto pequeno, como não jogar lixo na rua e na natureza, é muito importante, assim como conseguir levar essa mensagem ao maior número de pessoas possível. O esporte deveria estar muito mais comprometido nesse cuidado. O coronavírus já nos mostrou que, se algo der errado no nosso planeta, o esporte é um dos mais prejudicados. Como esportista e cidadão, convido a todos a ter um momento de reflexão.