A vivências de casos de racismo, velados ou explícitos, durante a carreira, fizeram Deja McClendon se engajar nesta luta no meio esportivo. Às vésperas do início do primeiro torneio profissional feminino dos Estados Unidos, a ponteira teve um texto forte, corajoso e muito direto sobre o tema publicado pelo site Undefeated, nesta sexta-feira.
Um posicionamento merecedor de aplausos, ainda mais com o aumento dos crimes de ódio no dia a dia da sociedade em geral, não restrito ao meio esportivo.
Confira na íntegra a tradução do depoimento de Deja, incluindo o caso vivido no Brasil, na passagem pelo Minas:
Há um incidente que ocorreu no início de minha carreira no vôlei profissional, enquanto eu estava na Polônia, que realmente se destaca. Eu era uma dos duas jogadoras negras do time e o treinador, sempre que tinha um pedido, se referia a nós como ‘chocolates’.
Não acho que ele quisesse que essas palavras fossem depreciativas, e eu não descreveria como chocantes, porque acontece com atletas negros o tempo todo. Mas, como não havia outras mulheres negras no time, ele sentiu que era uma coisa boa de se dizer.
Não é.
Mas, como uma jovem jogadora apenas começando a carreira, eu não disse nada. Na época, era difícil saber o quanto era difícil resistir a coisas que me incomodavam e eu estava desconfiada das repercussões que aconteceriam se eu dissesse alguma coisa. Não tinha ninguém para me mostrar como lidar com uma questão tão delicada como essa.
Aquilo foi antes, isto é agora.
Estou há oito anos na minha carreira profissional e acho que aprendi muito agora. Depois de suportar vários casos como esses, esta mais fácil entender que isso não está OK e se defender. Ninguém deveria se preocupar com os desafios de jogar profissionalmente e ao mesmo tempo lidar com o racismo.
Infelizmente, racismo é algo com o qual tenho que lidar constantemente enquanto jogo vôlei. Desde o momento em que comecei a jogar bem, jovem, descobri que não havia muitas pessoas que se pareciam comigo. Não havia meninas negras no meu time do ensino fundamental e, mesmo quando fiz a transição para o clube, que era mais competitivo e incluía uma gama mais ampla de meninas, ainda não havia muitas meninas negras.
Claro, eu me destacava – eu sou negra, sou alta – mas é assim que as coisas são. Com meu amor pelo esporte e meu desejo de ser competitiva, me senti capaz de lidar com isso.
Na época em que jogava profissionalmente no Brasil e enfrentei o racismo através de um comentário nas redes sociais. Eu não estava mais disposta a aceitar.
Estávamos no meio de um jogo quando o comentário racista foi postado, então não percebi imediatamente o que aconteceu. Mas eu percebi, assim que entramos no ônibus, uma vibração diferente das minhas companheiras de equipe. Estavam mais quietas do que o normal. Eles não olharam para mim. Ninguém disse nada. E meu telefone começou a explodir, com pessoas me mandando prints de alguns comentários que eu não entendi imediatamente porque estavam em português.
No dia seguinte, quando traduzi as palavras, meus pensamentos iniciais foram: ‘Sério, isso está acontecendo de novo?’
Não é a primeira vez que sou atacada nas redes sociais. Quando você é um atleta, as pessoas fazem esses comentários negativos e racistas sobre você o tempo todo. Ainda dói.
Principalmente, eu escolho ignorar o que é dito ou escrito. No final do dia, são apenas palavras. Mas o que aconteceu no Brasil foi diferente. Por estar nas redes sociais, explodiu muito mais no mundo do vôlei. E percebi que não se tratava apenas de um ataque a mim, mas a todos os atletas de cor.
Isso acontece o tempo todo. Bananas são jogadas em jogadores de futebol. Calúnias raciais dirigidas a jogadores de basquete nas arquibancadas, nas redes sociais. Os jogadores de hóquei são submetidos a insultos raciais no gelo e durante as perguntas e respostas virtuais do time. A verdade é que o racismo nos esportes é individual, organizacional e estrutural e atinge todos os negros, indígenas e pessoas de cor em todos os esportes. Então, o que estamos fazendo para quebrar esse ciclo?
Decidi tomar uma posição. No Brasil, fui informada de que você pode mover uma ação criminal contra uma pessoa que te agride. Quando decidi seguir nessa direção, a equipe me apoiou incrivelmente. A direção me forneceu representação legal para prosseguir com um caso, o que foi uma oferta que eu nunca esperei.
Liguei para minha mãe para dizer o que eu pretendia fazer, e ela não apenas me encorajou, mas também me ajudou a redigir o comentário que postei no Instagram.
Eu não fui a primeira mulher no clube (Minas) a ser alvo de racismo. Algumas mulheres, algumas atletas olímpicas, foram vítimas de abuso. Mas no Brasil, você pode processar pessoas que vomitam ódio nas redes sociais. As mulheres anteriores submetidas a comentários racistas fizeram isso. Decidi fazer o mesmo.
Quando assinei um contrato para jogar no Brasil, nunca imaginei que estaria em uma delegacia por qualquer motivo. Mas lá estava eu, ao lado do meu agente. A polícia explicou todo o processo. Eles me disseram: ‘Isso é um crime no Brasil e vamos levar isso a sério’. O delegado parecia realmente atencioso e sempre me fez sentir que encontrar a pessoa que fazia isso era uma prioridade.
Infelizmente, a polícia não conseguiu localizar a pessoa devido ao uso de uma conta falsa. Embora ninguém nunca tenha sido acusado, estou feliz que pelo menos nos posicionamos. Espero que essa posição irá estimular outras vítimas a fazerem a mesma coisa.
No início, me senti sozinha e isolada quando o incidente veio à tona. O que me manteve firme foi saber o quanto minhas companheiras e minha equipe me protegeram, criaram este escudo para me proteger. Minhas companheiras de equipe e os fãs no Brasil me cercaram de amor e colocaram mensagens em suas contas nas redes sociais que estavam comigo e que não havia espaço para esse tipo de ódio em nosso esporte.
Quando situações como essa surgem, você precisa encontrar uma maneira de se animar mentalmente e voltar para a quadra, sorrir e atuar. Tudo isso faz parte de ser um profissional.
Mas é uma luta difícil quando você é forçado a enfrentar o racismo sozinho. É importante que os não negros percebam sua importância na conscientização e como é crucial para eles serem aliados.
Esses incidentes continuam acontecendo, então temos trabalho a fazer. Espero que, ao compartilhar minha história – junto com as histórias compartilhadas por outros -, as pessoas em circunstâncias semelhantes se sintam confiantes para se erguer e enfrentar atos racistas.
Enfrentar questões racistas e agressões que nos cercam, ao mesmo tempo em que tentamos nos concentrar em jogar os jogos que amamos, é uma dinâmica difícil.
Mas é uma dinâmica que precisa ser tratada de forma mais agressiva para que, com sorte, as gerações que nos seguem não sejam submetidas a incidentes na extensão que eu tive que suportar.