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Fabiana: “Precisamos de várias Anas Cristinas”

Em entrevista ao GE, bicampeã olímpica Fabiana falou sobre futuro, maternidade, Tóquio, renovação e a falta de união no vôlei
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Em entrevista ao site Globoesporte.com, publicada nesta sexta-feira, a bicampeã olímpica Fabiana, 35 anos, falou sobre o momento especial que está vivendo. Grávida do seu primeiro filho, Asaf (a inspiração foi bíblica, quer dizer “aquele que reúne”), a central, ouro nos Jogos de Pequim-2008 e Londres-2012, falou sobre maternidade, Seleção Brasileira, racismo, aposentadoria, disse que pretende cursar a faculdade de Psicologia, acredita que a Superliga deveria ter adotado o sistema de bolha e falou sobre o seu futuro. Fabiana disse também sobre o processo de renovação na Seleção Feminina: “A gente precisa muito trabalhar essa base, precisa muito que tenha mais nomes. A gente precisa não só de uma Ana Cristina, mas de várias”.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista ao GE:

RENOVAÇÃO

Sem dúvida, a Ana Cristina é uma menina que enche os olhos, pela idade, como está se comportando. Tem muito a evoluir, muito a crescer. Mas a gente sabe que está no caminho certo. Mas é o grande nome para o futuro do nosso vôlei brasileiro. Eu queria, de verdade, poder citar mais nomes, porque eu sei o quanto vai ser importante. Mas a gente vê que várias meninas ainda estão vindo. A gente precisa muito trabalhar essa base, precisa muito que tenha mais nomes. A gente precisa não só de uma Ana Cristina, mas de várias.

BRASIL EM TÓQUIO

Eu acho que vai ter uma dificuldade grande. Já ficou um ano sem jogar. E essa Superliga, algumas atletas contaminadas, ficam sem jogar, depois voltam. Isso prejudica. Porque o Zé (Roberto Guimarães) vai ter de ter uma base pelo que vê na Superliga. E se a Superliga continuar nesse ritmo, quando chegar lá na frente, vai ter que juntar dois meses, três meses, para poder disputar uma Olimpíada. A gente sabe que é um risco. Não sabemos como vai ser, não sabemos como vai ser o sistema de disputa das Olimpíadas, porque eu acredito que vá mudar, mesmo com a vacina. Vai ser difícil, vai ser bem complicado.

THAISA, MAYANY E ANA CRISTINA

O sistema de jogos nas Olimpíadas é bem puxado, dia sim, dia não. Então você precisa de uma equipe fechada. Vai depender muito de como for a Superliga. Você vê a Mayany indo muito bem, a Thaisa, a Ana Cristina. Querendo ou não, está muito perto. Zé Roberto vai precisar de jogadoras novas, mas também de jogadoras mais experientes. Eu acho que muita coisa vai acontecer. Mas temos grandes chances. Acredito muito no time do Brasil. Temos grupo, união. E a gente sabe que, quando junta ali, o time fechado, sabemos que é difícil, podemos brigar com qualquer equipe.

Quando estou em Saquarema, e eu gosto de assistir, vejo a categoria de base. Mas a gente sabe que precisa de um tempo, precisa ser trabalhado. Às vezes, na categoria de base, por querer ganhar, pegam as mais baixas, mais habilidosas, e deixam as mais altas para trás. Mas são essas mais altas que vão fazer a diferença. É o que você vê da Ana Cristina. Às vezes você pode ter uma mais alta coordenada, em outras não. Eu sou prova viva disso. Eu, a Thaisa. A gente não sabia nada. Mas tiveram essa paciência. Então, precisamos resgatar um pouco isso, pensar mais no futuro. Talvez aquela menina vá resolver a situação ali no começo, mas lá na frente, não. Precisa trabalhar isso. Você vê essa renovação na China, Sérvia, Turquia. Todo mundo passando por essa renovação. Precisamos também.

MATERNIDADE

Eu estou muito feliz. Às vezes, é até difícil achar palavras para descrever o que eu estou vivendo. A minha cabeça estava um pouco nos Jogos Olímpicos, aquela coisa toda envolvida com o vôlei, de tentar conseguir uma vaga nas Olimpíadas. Mas, com todo o adiamento, com tudo o que aconteceu, foi a melhor solução para todos nós. Eu já tinha esse desejo de ser mãe. Vi que era a grande oportunidade de conseguir realizar esse sonho. Conversei muito com a minha família, com meu esposo (o cantor Vinigram). E, graças a Deus, deu tudo certo,

QUARENTENA

Por mais que eu entenda o momento, eu fico um pouco presa, né? Eu estou mais dentro de casa, evito sair para alguns lugares. Máximo que eu faço é ir à casa da família do meu esposo, que é aqui do lado, e volto novamente. Basicamente, estou desde quando voltei (do Japão) dentro de casa. Ainda mais estando grávida, conversei muito com a minha médica, ela sempre me diz para ficar atenta e me cuidar. Passei o Natal em casa, longe da família, com o coração apertado.

(Reprodução/Internet)

PAUSA NA CORRERIA

O que eu fiquei mais atenta mesmo foi estar mais próxima das pessoas. A minha vida sempre foi muito corrida, desde os 13 anos. Sempre seleção, clube, viagem atrás de viagem. Fui me distanciando pelo esporte. Então, nesse momento, eu queria estar próxima de todo mundo, mas não podia, por conta da pandemia. Estou conseguindo aproveitar a gravidez, curtindo o casamento. Não tem sido aquela correria de voltar a jogar. Estou curtindo cada segundo.

VOLTA ÀS QUADRAS

Hoje, estou me dando um dia de cada vez. Eu não quero dizer não, mas também não quero dizer sim. Eu quero aproveitar cada momento. Eu quero muito (voltar a jogar). Eu sou apaixonada por voleibol, eu amo estar em quadra, amo estar junta com as minhas amigas. Fico assistindo à Superliga, fico morrendo de saudade, acompanho todos os jogos. Mas eu quero viver um momento de cada vez para ver como vai ser. Ver como vai ser quando chegar o bebê, qual vai ser a minha reação no dia a dia. Se eu vou conseguir voltar, se não vou. Não quero criar expectativas. Mas que eu sou apaixonada por voleibol, ninguém precisa ter dúvidas.

PÓS-CARREIRA

Eu achei muito legal quando a Ana Flávia (bronze com a seleção nos Jogos de Atlanta, em 1996) me chamou para fazer parte da equipe (como empresária de vôlei). Falei que queria, sim, entrar, para agregar em algumas coisas, para ver de uma outra forma. Porque eu acho a nossa base meio carente. Eu acho que precisa de um pouco mais de atenção. Essas meninas mais novas, elas vêm um pouquinho perdidas ainda. Querendo ou não, elas já têm noção de onde podem chegar. Só que essa noção vem muito cedo. Fica um pouco daquela coisa perdida, elas precisam um pouco de apoio. Quando eu topei essa ideia, não foi só ser empresária, negociar, fechar contrato. Até falei que deixava essa parte para ela. O que eu quero mesmo é ajudar essas meninas a chegarem de uma outra forma, passar a minha experiência a elas, dentro e fora de quadra. Essa parte de estrutura familiar, que tem de vir desde o início. Para você conseguir parar de uma forma mais tranquila, porque todo mundo sabe que vida de atleta é muito curta. A gente precisa, realmente, ter um planejamento em cima disso.

UNIÃO NO VÔLEI

Acho que tem muito a melhorar. O masculino, eu vejo, é mais unido que o feminino. Acho que hoje o feminino consegue se juntar mais, levantar sua voz mais do que antes. O masculino sempre teve esse papel. No masculino, eles sempre foram mais unidos, brigaram por um objetivo em comum. E o feminino, não. Hoje está sendo diferente. Estamos tendo mais voz. Seja através das redes sociais, em telefonemas, em uma reunião com CBV ou clubes. Estamos tendo uma voz que as pessoas estão ouvindo. Antes, éramos mais ignoradas que qualquer coisa. Hoje estamos conseguindo ter essa voz.

Fabiana, Ana Flávia e Joycinha (Reprodução/Internet)

RELEVÂNCIA DOS ATLETAS

O atleta precisa entender a importância de se colocar. A gente sempre teve um ensinamento que, lá atrás, foi ruim. Não que o atleta não precise pensar nessas coisas, mas antes tinha de se calar em certas situações porque não poderiam ser legal para patrocinador, para os clubes. E o atleta tinha que se calar. Mas, agora, as pessoas estão pensando: “Pera aí, está mexendo comigo, ou com alguém do lado, ou está falando algo que eu preciso me posicionar. Porque está acontecendo demais, está passando dos limites. Eu acho que todo mundo está com essa cabeça, essa mente. Já está falando, escrevendo sobre determinado assunto, ou sobre algo racial. O atleta está entendendo que ele, sim, é uma voz. Que ele pode, sim, se colocar. Antes, não podia falar, podia perder um patrocínio. Acho que está todo mundo com essa consciência.

RACISMO NO ESPORTE

Tem de ser um crescimento da sociedade como um todo. Sempre foi aquela coisa: “Ah, dentro do esporte não acontece racismo”. Só que, agora, está sendo gravado, está sendo mostrado que realmente existe. Sempre tem esse lado. Acontecia, mas ficava calado, ninguém queria se expor. Mas está sendo gravado, está sendo exposto. E precisa ser dito. Isso precisa ser mostrado para que todo mundo tenha consciência. Em um jogo contra o Minas, começou a me chamar de macaca. Começou a gritar: “Joga banana para a macaca, tira a macaca de quadra”. Foi o ato mais direto comigo. Sem contar os pequenos detalhes que acontecem no dia a dia. Era uma coisa que a gente se calava. Mas sempre acontecia. Infelizmente, é muito triste. Mas acontece. Como tem acontecido, como aconteceu lá atrás com o (ginasta) Ângelo Assumpção e houve uma tentativa de silenciar. Tentaram contornar da “melhor forma”. São coisas que vão acontecendo.

 

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