Ao disputar a primeira Olimpíada da carreira aos 40 anos, em Tóquio, Carol Gattaz quebrou paradigmas. Realizar o sonho de uma carreira dedicada ao esporte, se colocar como uma das melhores da posição e mostrar ao mundo que uma medalha de prata pode e deve ser comemorada. Nesta semana, em Ankara, na Turquia, a capitã e referência do Itambé/Minas volta a encontrar algumas das principais atletas do planeta durante o Campeonato Mundial feminino de clubes. E quanto maior o desafio mais ela gosta.
Nesta entrevista exclusiva ao Web Vôlei, concedida na academia do Minas Tênis Clubes, após mais uma sessão individualizada de treinamento, em Belo Horizonte, antes do embarque para o Mundial, Gattaz falou sobre realizações, desejos, cobranças e planos, já que aposentadoria ainda não está nos planos.
COMO FOI JOGAR A SUPERLIGA PENSANDO NO MUNDIAL?
Para falar verdade a cabeça não estava ainda no Mundial durante os últimos jogos. A gente também pensa na Superliga, é o nosso principal objetivo da temporada. O Mundial é importante, claro, a gente sabe que vai enfrentar times de outro nível jogadoras de outro nível. Mas a Superliga sempre foi prioridade.
ATRASO NA PREPARAÇÃO DO TIME POR CONTA DO COVID
Como somos o time que ganhou tudo na temporada anteriores, as pessoas, claro, tendem a ver o Minas como o time a ser batido, independentemente de qualquer situação. Mas as pessoas precisam entender que a troca de duas jogadoras, por exemplo, impacta no time. Tivemos os casos de covid, menos treinamento, e no meu caso, voltando de uma Olimpíada, quase sem férias. A gente entende tudo isso, mas infelizmente as pessoas não entendem. Temos de correr atrás, mas as pessoas estão sem paciência. E a gente teve três campeonatos um atrás do outro: Mineiro, Supercopa e Sul-Americano sem tempo de recuperação. Normalmente o Sul-Americano acontece quando a gente está em outra fase de preparação. Acho que nosso time não mudou nada, a preparação é a mesma e a gente sabe do potencial. Agora é caminhar dia após dia para a recuperação. É uma temporada diferente. A gente não pode ficar olhando pra trás. Tem gente que lidou melhor com a volta da Olimpíada. Eu, por exemplo, estou administrando, mas nem por isso estou deixando de tentar. A Macris veio de lesão. Temos de colocar tudo isso na balança.
NÃO ESTÁ NA HORA DE OS ATLETAS BRIGAREM PARA UM CALENDÁRIO MAIS HUMANO?
As Federações têm de pensar mais no atleta. E nós temos de exigir mais isso mesmo. Nossa preparação é muito intensa. Ano que vem vai acabar a Superliga e uma semana depois começa a VNL… A gente tem de ver o elenco que a gente tem. Os Estados Unidos têm 20, 30 jogadoras. A gente não. Mas é ano de Mundial. As mais experientes e mais velhas não vão poder ter o mesmo tratamento que as mais novas. O desgaste é muito grande. Tivemos sequência há pouco tempo de três jogos por semana. Nem dá para treinar, é só recuperar, fazer um trabalho na academia… Eu não estava acostumada com esse ritmo. O desgaste é muito grande. Não tem folga.
E PESA MAIS O FÍSICO OU O MENTAL?
O desgaste mental é o mais difícil. O mental rege tudo. Quando ele não está bem nada funciona. Nós temos uma responsabilidade maior do que atletas de times que não se espera que chegue à final. Muitas vezes a gente tem de abdicar de muita coisa, família, amigos, tem o cansaço… E fora isso tem a pressão de sair de um campeonato para outro como se fôssemos máquina. Não somos máquina. E a cobrança por resultados só cresce. Vimos aí a Simone Biles na Olimpíada.
COMO LIDAR COM AS REDES SOCIAIS NESTA SITUAÇÃO?
E tudo isso com as redes sociais só piora. É impressionante. Somos atacadas por pessoas sem rosto. A grande maioria é de pessoas frustradas. Tenho certeza que pessoas bem sucedidas não vão no Instagram falar mal da gente porque sabem o que a gente passa. Eu penso: “Caramba, estamos aqui dando o máximo e ainda tem isso.” Temos de saber separar. Por isso é muito importante ter os objetivos finais e continuar focado neles. A atleta precisa ter esse apoio para não se afetar pelas críticas das redes sociais.
COMO SE MANTER COM A MENTE SÃ?
Eu cheguei da Olimpíada, um ritmo insano e as pessoas cobram para eu voltar num ritmo que não tem como. Hoje eu sofro menos com as críticas, mas já sofri muito. Eu hoje não preciso provar nada para ninguém. Já joguei todo tipo de campeonato. É muito trabalho, muito investimento. O Minas sabe do meu padrão, a Seleção sabe o meu padrão. Não preciso provar para essas pessoas frustradas.
TEM IDEIA DO SIGNIFICADO DE TER FEITO UMA GRANDE OLIMPÍADA AOS 40 ANOS?
A Olimpíada é um campeonato muito intenso, com pouco tempo de descanso. Eu sempre pensava em deixar algo para o futuro, deixar algo significativo. E eu não sabia o que era. Eu me dediquei, estive em bons times, estive na Seleção, mas eu falo que a Olimpíada é surreal. E queria deixar algo paras gerações futuras, deixar essa superação, independentemente da idade. Eu me cuido, cuido do meu corpo. Eu tenho lesões, mas nada que um bom planejamento e uma boa preparação não possam dar conta. E eu quis tentar. Deu no que deu.
COMO FUNCIONA O SEU PROCESSO DE PENSAR NA APOSENTADORIA?
Eu amo jogar. Eu vejo as mulheres que têm esse sonho de ser mãe, o quanto é complicado. Eu não tenho esse sonho de engravidar. Claro, vai ter hora que eu não vou conseguir performar como eu gostaria. E eu sou uma pessoa muito competitiva. Vou ser a primeira a perceber que não posso mais ajudar. Não vou querer estar em quadra 50 por cento. Se um dia o Minas chegar e falar: “Olha, queremos colocar uma menina mais nova pra jogar no seu lugar”. Eu não vou conseguir ficar. Vai chegar a hora que eu não vou aguentar mais. Minhas lesões, eu consigo administrar, meu físico eu consigo administrar, mas vai chegar uma hora que o corpo vai seguir. Eu cheguei aos 40 e me sinto bem, então sei lá até quando vou conseguir continuar.
A IMPORTÂNCIA DO MUNDIAL
As grandes competições me motivam muito. Eu gosto de estar entre as melhores. Gosto de ter parâmetro das melhores jogadoras do mundo. Eu quero me basear nisso. A Thaísa é uma jogadora que eu me espelho muito, vejo o que ela faz, quais são as atitudes dela. E às vezes quando não consigo num momento da minha carreira, fico frustrada porque não estou conseguindo performar como queria.
REFERÊNCIAS DA POSIÇÃO ATUALMENTE
Dessas jogadoras que eu vou encarar, a Eda Erdem é uma das jogadoras que eu sempre gosto de ver. Na VNL, ela me procurou e disse: “Você me inspira”. E eu fiquei muito feliz. Ela disse que também quer jogar até ficar mais velha. Fiquei feliz de ver essa humildade. Uma pena que ela não conseguiu levar a seleção turca mais longe na Olimpíada. Eu gosto muito de ver jogadoras que inspiram.
QUAL A ATACANTE MAIS DIFÍCIL DE MARCAR?
A Boskovic é impressionante. A Egonu, por mais que não estivesse na melhor forma na Olimpíada, é uma jogadora que é muito difícil marcar. São absurdamente de outro nível.
QUEM É O FAVORITOS?
Coloco o Conegliano como favorito, se jogar o que pode. Tem o favoritismo no papel, claro, mas depende das jogadoras colocarem isso em prática. O Conegliano, por exemplo, perdeu no Italiano para um time menor. Mas a derrota é até benéfica, para elas ligarem o alerta de que não são imbatíveis.
O QUE ACHA DA FEDOROVTSEVA?
Me surpreendeu o nível dela na última temporada. Pra idade dela é muito acima das outras. Não parece ter apenas 17 anos.
DEIXE UMA MENSAGEM PARA OS FÃS
O mais importante que eu gosto de deixar para as meninas mais novas que queiram mesmo ser uma atleta de voleibol e não só uma jogadora: prestem mais atenção na preparação. Olhar para as mais velhas e ver o que as atletas vitoriosas estão fazendo. Quanto mais novas elas façam assim, mais longe elas vão na carreira. E o mais importante é não desistir do sonho. Eu tive muito perto de desistir dos meus sonhos. O Minas me resgatou. Quando eu cheguei aqui eu estava prestes a parar de jogar. E quando cheguei, minha cabeça mudou. Um clube que me deu toda a estrutura e eu em troca dei o meu melhor.
Por Daniel Bortoletto, em Belo Horizonte