Por André Heller
“O atleta morre duas vezes. A primeira quando para de jogar”. A famosa frase foi declarada por um dos grandes jogadores do futebol brasileiro – Paulo Roberto Falcão e, para a história de milhares de atletas brasileiros, corresponde à realidade.
O fato é que alguns elementos contribuem para que a “morte prematura e iminente” ao fim da carreira de um atleta efetivamente ocorra. Um dos ingredientes mais relevantes e recorrentes que contribuem para essa triste realidade é o que chamo de alienação. Etimologicamente, a palavra alienação tem origem no latim alienare (alienus) e significa “que pertence a outrem (a um outro)”. Por essa concepção, uma pessoa alienada é alguém que vive à margem da realidade. Para Karl Marx, um dos grandes pensadores do século XIX, que estudou acerca do significado, causas e consequências da palavra e da condição de alienação, no que se refere à alienação social, integrantes de uma sociedade tornam-se alienados quando agem conforme padrões do senso comum, perdendo a capacidade de questionar e fazer uso do senso crítico. Em outras palavras, o sujeito alienado considera as ideias como verdades absolutas, reproduzindo padrões e renunciando ao pensamento reflexivo.
Sob uma perspectiva filosófica, retomando o contexto que este texto propõe, o atleta alienado, ao fim de sua jornada esportiva, tende a padecer sem autonomia e protagonismo. Entre os motivos pelos quais os atletas passam pela condição de alienação, considero os seguintes como sendo os mais relevantes:
– O próprio contexto de alta performance esportiva contribui para que o atleta considere sua trajetória esportiva como “a única coisa que importa”. Competições, provas, rotina de treinamentos, alimentação, descanso, recuperação e a busca incessante por resultados, conquistas e medalhas, são fatores de caráter compulsório no ambiente de alto rendimento.
– A maioria das entidades esportivas não possuem um programa de educação específica para atletas em atividade ou em transição de carreira, e muitas nem sequer desejam que seus atletas tenham outras “preocupações” além da performance esportiva.
– E, por fim, os próprios atletas escolhem (por força da zona de conforto) tornarem-se incapazes de um pensamento crítico e reflexivo que proporcione a condição de vislumbrar outras possibilidades além da prática esportiva, tornando-se, assim, alienados e desprovidos de qualquer outra habilidade ou competência para explorar outros mercados.
O fato é que o encerramento da carreira esportiva de um atleta não necessariamente significa o fim da vida do atleta, mas, sim, simplesmente uma das tantas transições que todo ser humano passa ao longo de sua caminhada por este mundo. A preparação, os treinos, jogos, provas e competições tornam-se o principal foco na vida dos atletas, sobretudo nos anos de maior amor e paixão pelo esporte e pela evolução pessoal. Porém, é fundamental sabermos diferenciar entre “a única coisa que importa” e “a coisa mais importante”. Terry Orlick, especialista em psicologia aplicada ao esporte, diz que “ambas nos ajudam a buscar a excelência, mas somente uma delas nos permite fazer isso sem abandonar o restante da nossa vida”. (Orlick, 2009, p. 271)¹.
O esporte pode ser observado como um período de muito aprendizado na vida daqueles que o praticam, e o fato de que, em algum momento, pelos mais variados motivos, um atleta renuncia à sua carreira esportiva, não significa que tem o seu valor como pessoa reduzido. O encerramento de um ciclo significa simplesmente que o profissional pode canalizar parte do seu foco e da sua concentração em outras buscas significativas. É imperativo que os atletas, assim como profissionais de outras áreas de atuação, busquem, ao longo de suas jornadas, outras possibilidades, habilidades e competências que lhes completem e realizem em outros aspectos da vida. O equilíbrio entre as áreas da vida é componente fundamental para que alcancemos a excelência efetivamente.
André Heller foi campeão olímpico em Atenas 2004, sendo atleta profissional por 24 anos sendo 12 dedicados à Seleção. Foi ainda campeão mundial em 2006 e sete vezes campeão da Liga Mundial. Atua como palestrante há mais de 10 anos. Formado em Gestão Aplicada ao Esporte FIA/USP e Neurocoaching – Neuroleadership Institute Brasil. Suas palestras já foram assistidas por mais de 30 mil pessoas.