O Minas Tênis Clube publicou, nesta sexta-feira, uma entrevista com a levantadora Macris. A jogadora se transformou, nos últimos anos, em um dos símbolos do vitorioso time do Itambé/Minas.
Ela liderou as estatísticas de levantamento das últimas Superligas e, na edição 2018/19, vencida pelo Minas, foi eleita a melhor jogadora do campeonato (MVP). Atualmente, é titular da Seleção Brasileira às vésperas dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Aos 31 anos e com os pés bem firmes no chão, a levantadora fala sobre o momento, Tóquio, do amadurecimento no Minas e revela que o tal levantamento com uma das mãos mescla habilidade e limitações.
Como foi o seu início no vôlei, com quantos anos e onde começou?
A minha inspiração para iniciar no vôlei veio de casa! Meus pais eram professores de educação física, ex-atletas da modalidade e com muito amor pelo esporte. Assim eu tive os primeiros passos com eles. Eu comecei a treinar vôlei efetivamente em clube, próximo dos 9 anos de idade, em São Caetano do Sul (SP). Lá, passei por todas as categorias de base, desde a escolinha até o juvenil. Inclusive, foi uma época muito vitoriosa, trazendo inúmeras experiências importantes para minha carreira.
Depois que saiu do São Caetano, você se transferiu para o Pinheiros, na capital paulista, e, na temporada 2013/14, você foi eleita, pela primeira vez, a melhor levantadora da Superliga. Desde então, você lidera as estatísticas do fundamento. Como que é isso para você? Ao que se deve toda essa qualidade técnica e reconhecimento?
Primeiro, se deve ao trabalho do grupo, que é essencial! Quanto ao pessoal, sabendo que as escolhas desse reconhecimento individual foram por meio de estatísticas, claro que é positivo ser premiada por um aspecto relevante em relação ao levantamento. Porém, entendo que existem muitos outros que não podem ser mensurados pelas mesmas. No caso do levantamento, a estatística aponta a relação de quantas vezes a levantadora deixa suas atacantes no bloqueio simples ou sem bloqueio, pela quantidade total de bolas que você levanta, descontando também o percentual de erros ou faltas cometidas, chegando, assim, em um percentual de aproveitamento. Uma face positiva em relação a distribuição, mas que não compõem todas as nuances de ser uma levantadora. Por isso, sigo sempre em busca de evoluir e melhorar constantemente em todos os aspectos.
Você representou o Minas em três temporadas. Aqui pode se dizer que você chegou ao auge da sua carreira, após ser a MVP da Superliga 2018/19?
O Minas realmente possibilitou alcançar um novo patamar na minha carreira. A excelente estrutura de um clube tão tradicional, novas experiências nacionais e internacionais, adquirir diferentes conhecimentos com técnicos estrangeiros, grupos fortes de trabalho e outros fatores contribuíram muito para o meu crescimento e amadurecimento. Esse trabalho em conjunto é essencial para um crescimento individual, e as experiências vividas vão compondo uma importante bagagem.
A chamada “bola de segunda” é o terror das defesas adversárias. Como você planeja essa bola de segunda e o levantamento com apenas uma das mãos, não muito comum no vôlei?
A bola de segunda pode ser um bom recurso diante de situações adversas, porém tem que ser avaliado o melhor momento. As equipes estudam os adversários e, então, sabendo que a qualquer momento posso passar de segunda, eles (adversários) ficam preparados para essa jogada, por isso, deixo para momentos estratégicos. Algumas vezes eu apenas percebo que é o momento, outras eu consigo observar se o bloqueio ou a defesa abriram uma brecha, outras vezes eu arrisco por ser situações que, normalmente, o time adversário está desatento. Mas, em outras situações, eu sou obrigada a tentar utilizar o recurso pela condição do passe/defesa, entre outros. Na execução, evito dar dicas corporais para, literalmente, enganar o adversário. Em relação ao levantamento com uma das mãos, eu até falei isso recentemente, esse movimento é para suprir uma dificuldade técnica que tenho. Quando eu estou muito perto da rede, em uma situação adversa, eu tenho dificuldade de ir com as duas mãos, de encaixar a bola certinho para levantar e eu conseguir dar o direcionamento e a precisão no levantamento para a atacante. Então, o recurso que eu consegui foi levantamento com uma das mãos, diferente de outras levantadoras que têm facilidade ou técnica com as duas mãos. Não é uma busca por fazer algo inusitado ou para chamar atenção, como alguns podem pensar. Realmente é uma necessidade minha, por essa limitação da minha técnica.
Durante este ciclo olímpico, você esteve presente na seleção brasileira. Tem recebido diversos elogios do técnico José Roberto Guimarães. Você acredita são pontos favoráveis para você estar na lista de convocadas para os Jogos Olímpicos de Tóquio?
Apesar de eu ter participado de alguns campeonatos pela Seleção no meu primeiro ano de convocação, em 2015, e, posteriormente, compondo o grupo em 2017 e em 2018 para outros campeonatos, eu só fiz, de fato, uma temporada completa com a seleção em 2019. Eu acredito que, para Tóquio, o que mais vai contar será a condição do momento e o quanto poderá acrescentar, encaixar e ser benéfico para o grupo. O meu empenho será sempre em me aperfeiçoar, trabalhar firme buscando melhorar constantemente, para estar preparada, caso a oportunidade de convocação apareça, eu possa contribuir da melhor maneira para a seleção.
As suas três temporadas no Minas fizeram de você uma atleta mais madura para vestir a camisa da seleção brasileira?
Jogando pelo Minas, eu tive a oportunidade de participar, pela primeira vez em minha carreira, de duas semifinais e uma final de Superliga, quando fomos campeãs, na edição 2018/19. Disputei e vencemos três vezes o Campeonato Sul-americanos de Clubes (2018, 2019 e 2020). Em 2018, fomos vice-campeãs do Mundial de Clubes, então foram oportunidades e títulos inéditos, que contribuíram muito para a minha bagagem como atleta e para minha evolução. Todas essas vivências são muito benéficas e acredito que influenciam positivamente para um melhor desempenho em todos os aspectos. O Minas, com certeza, contribuiu muito para o meu amadurecimento como atleta.
Muitos especialistas, inclusive o técnico Zé Roberto, já falaram que você tem de tudo para ser a melhor levantadora do mundo. Você tem noção da sua importância para as colegas de equipe?
Como levantadora, tenho consciência da minha responsabilidade e papel dentro da equipe. Por isso, sempre foco em melhorar todos os aspectos possíveis na função de levantadora para contribuir da melhor maneira para o equilíbrio do grupo e desenvolvimento do jogo. Trabalho bastante também para melhorar todos os outros fundamentos, além do levantamento, como saque, bloqueio e defesa, visando somar para o grupo da melhor maneira possível e adaptando sempre que necessário para tirar o melhor de cada atacante.
A temporada passada foi cancelada. Essa próxima ainda teremos muitas surpresas devido aos desdobramentos dessa pandemia. Como você imagina que será daqui para frente, em termos de calendário, viagens, treinos e ginásios lotados?
Estamos vivendo um momento de muitas incertezas e sem precedentes. Muitas adaptações serão necessárias para o “novo normal”, em todos os aspectos. Acredito que farão um grande trabalho em conjunto para avaliar as melhores condições de execução dos treinos e jogos, com segurança e melhores condições possíveis para todos. Provavelmente, ajustes no calendário devem ser feitos, viagens terão que ter cuidados redobrados e teremos que buscar novas formas de interagir e estar em contato com o público. Mas acredito ser possível encontrarmos soluções, principalmente, se cada um tiver consciência e responsabilidade nos próprios cuidados e atitudes de prevenção para o bem comum.
O que tem feito nesse período de isolamento e como tem lidado com essas mudanças?
Naturalmente, eu sou uma pessoa mais caseira e reservada. Então, para mim, essas mudanças não foram tão bruscas. Faço leituras variadas, vejo filmes, adoro documentários e filmes baseados em fatos reais, cuido e brinco com os meus gatos. Essas são algumas das coisas que costumo fazer no dia a dia. E, nessa quarentena, além dessas atividades, tenho aproveitado para organizar as coisas em casa, fazer faxinas mais completas, e também tentando aumentar a interação online para compartilhar as vivências de atleta, veganismo e etc, além de deixar o papo em dia com amigos e familiares. Também estou mantendo as minhas atividades físicas e condicionamento, tudo dentro do possível e adaptado, já que estou em isolamento, sem acesso a academias ou área de exercícios. Tem sido um período de grandes reflexões, questionamentos e novas perspectivas diante das situações.
O que você costuma fazer em Belo Horizonte, fora do Minas?
Se eu não estiver no Minas, provavelmente, eu estarei em casa. Realmente tenho um perfil muito caseiro, além de ser mãe de quatro gatos adotados, que são puro amor e aprontam bastante também (rsrsrs). Isso torna a minha estadia em casa muito mais divertida e alegre. Quando permitido, gosto de ir ao cinema, teatro, comer açaí e ir em restaurantes veganos, que gosto muito. Às vezes, em um fim de semana livre, gosto de dar uma caminhada no Parque Municipal ou na Praça da Liberdade, que são formas de se conectar um pouco mais com a natureza.
Quando você passou a ser vegana e por que adotou essa filosofia? No início, quais foram as suas dificuldades/desafios? Acredita que isso melhorou o seu rendimento profissional?
Ser vegana está além da mudança nas escolhas para alimentação, é um novo estilo de vida. Vejo que, no fundo, desde criança, sempre tive um amor pelos animais, uma vontade enorme de proteger e cuidar deles. Mas passei a maior parte da minha vida sem fazer a conexão de como as minhas escolhas impactavam diretamente no sofrimento desses seres. Em 2016, enfim, eu tive conhecimento do veganismo e abri os olhos e a mente para várias realidades que eu desconhecia, quebrando muitos mitos e ideias pré-concebidas. E, então, com o embasamento necessário para buscar a mudança, iniciei 2017 completamente adaptada a esse novo estilo de vida. Os maiores desafios foram enfrentar a desconfiança das pessoas, que apenas tinham medo do desconhecido. Mas, conforme viram na prática que eu não tive problemas no rendimento, condicionamento físico, força, desempenho, ou qualquer outra coisa, essas pessoas foram tranquilizando. Sobre os benefícios, vejo maior sensação de leveza para jogar, mais energia e resistência para exercícios de longa duração, recuperação muito melhor e mais rápida também. Quase zerei dores e inflamações antigas nas articulações, e etc, são alguns exemplos de benefícios que obtive provenientes da alimentação mais saudável, e, até hoje, me auxiliam nessa busca constante que me manter em alta performance.