Paola Egonu está prestes a disputar sua última partida pelo Conegliano antes da mudança para a Turquia, onde vestirá a camisa do Vakifbank. Curiosamente, o time turco será o rival do italiano, neste domingo, na decisão da Champions League 2021/2022, na Eslovênia. Numa entrevista publicada hoje pelo Corriere Della Sera, a oposto falou sobre vários assuntos, vários delas mais de âmbito particular.
Filha de pais nigerianos, Egonu falou sobre casos de racismo e xenofobia, da relação muitas vezes tóxica com haters nas redes sociais, de crises de pânico, da guerra entre Rússia e Ucrânia, de um livro recém-lançado, além de abordar tópicos da carreira e os desejos para o futuro.
Veja alguns dos principais trechos:
Paola, qual é o momento da sua vida?
Bom.
A guerra a perturba?
Ela ocupa meus pensamentos, é claro, com as companheiras de equipe no Conegliano falamos sobre isso. Acima de tudo, me esforço para tentar entender o porquê. Mas então você percebe que é tudo política e então você não sabe mais em quem e no que acreditar. Mas a dor de quem sofre permanece, e é enorme.
Você escreveu um livro infantil, “18 segredos para se tornar estrela”. A dedicatória é para o avô que a ensinou a sonhar. Por que ele?
Ambrose, meu avô paterno. Ele faleceu na Nigéria aos 94 anos logo após as Olimpíadas de Tóquio, em um momento que já era difícil para mim devido a todas as críticas que recebemos pela derrota nas quartas de final. Não pude ir ao funeral e queria agradecer-lhe assim.
Como ele ensinou você a sonhar?
Com a luz nos olhos: puro amor que vinha do coração. Ele era um esportista também, ele entendia de vôlei. Ele torceu por mim de longe, mas não gostava do short que uso em quadra.
Você é mais parecida com seu pai ou sua mãe?
Sou alta, esguia, forte como ele. Mesmo no rosto, eu pareço muito com ele. Gostaria de ter sua compostura nos momentos difíceis, o dom de nunca perder a clareza. E em vez disso, emocionalmente, sou toda mãe: herdei o lado sentimental dela, a empatia, a lágrima fácil. Além disso, nunca conseguiria guardar tudo dentro de mim, como papai.
Se você fosse descrever sua vida para um alienígena, o que você diria a ele?
Que eu moro numa montanha-russa, que meu dia ideal para relaxar é na horizontal, na cama. Café entre os lençóis, séries de TV, Tik Tok, vídeos engraçados, telefonemas para meus e amigos. Que em mim coexistem duas almas, italiana e africana, e gosto de tudo em cada uma delas. E que eu carrego tudo de mim em quadra, para melhor ou para pior. Às vezes digo a mim mesma que gostaria de ser normal, mas normal é chato. É assim que me aceito, sempre viajando de montanha-russa.
Quanto é importante o dinheiro? As ofertas milionárias que chegaram até você de pelo menos dois clubes turcos.
Pouco. Acontece que rejeitei números importantes: quando tenho que tomar uma decisão, o cheque é a última coisa que vou considerar. Estou mais interessada no crescimento ligado à mudança, em sair da minha zona de conforto.
Em entrevista ao “Corriere” após as Olimpíadas e o Campeonato Europeu, você falou sobre seus ataques de pânico. Isso é uma fase passada ou eles voltaram?
Já tive outros, com consequências ainda mais fortes no meu corpo. Episódios sempre relacionados com quadra, treino ou jogo. A cabeça de repente escurece, o pensamento negativo te empurra para baixo, ele… te mata. Quando isso acontece comigo, fico com medo: gosto de ficar no controle e, em vez disso, não estou mais lúcida. Mais tarde, depois da crise, ajuda ter alguém que me escute, que saiba como sou e que aceite as minhas loucuras.
O ódio das redes sociais muda seu humor?
Não mais. Bloqueio os haters, é inútil perder tempo pensando nisso.
Dói mais se escreverem que você não é uma boa jogadora de vôlei ou que não é italiana?
O mais chato é quando eles esquecem que eu sou um ser humano. Lembro-me da frustração de um pai que não conseguiu um autógrafo para sua filha: “Você é uma puta”, ele escreveu no Instagram. Não, me desculpe, eu não sou uma puta. Você é quem ignora a rotina e as exigências da vida de um profissional do esporte. Naquele dia, depois do jogo, dei uma centena de autógrafos. Estou acostumado com o resto.
Você está se referindo a episódios de racismo? No livro, cita dois deles: os pais de uma rival que a insultou, de 14 anos, durante uma partida, e um colega de classe que na escola, em uma discussão, disse: “Vocês estrangeiros não devem ficar na Itália”.
Já faz um tempo que essas coisas não acontecem mais comigo, felizmente. Mas a Itália não é um país racista, há poucas pessoas más por aí. Às vezes noto ignorância, que é diferente, e um pouco de superficialidade.
Francesca Piccinini se aposentou aos 40 anos. Imagine uma carreira igualmente longa, Paola?
Absolutamente não. Não há nada de errado com a longevidade, mas não é a minha história: há muitas coisas para fazer na vida para eu correr o risco de jogar vôlei por mais vinte anos.