O cearense Reis Castro está classificado pela quarta vez consecutiva aos Jogos Olímpicos comandando uma dupla brasileira, desta vez, Rebecca e Ana Patrícia. Medalhista de bronze em 2012, com Juliana e Larissa, o treinador de 50 anos soma uma lista extensa de conquista e está próximo da marca de 100 títulos de etapas do Circuito Brasileiro.
A mente por trás da impressionante evolução de Ana Patrícia/Rebecca, que buscam o título do Circuito Brasileiro neste início de ano, concedeu entrevista para a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) falando sobre inovação tática, motivação, a relação de suas comandadas e objetivos que busca no esporte.
Quais características você mais admira na dupla Ana Patrícia/Rebecca?
O que eu mais tenho admirado desde o início do trabalho, e talvez elas nem tenham essa percepção, é o tamanho e potencial que elas têm, o quanto essas meninas podem evoluir. Você não acredita. O time que elas podem se tornar é fantástico. É isso que me fascina. É logico que essa química, essa energia que elas têm dentro de quadra é perfeita, tomara que isso perdure muito tempo. Esse ótimo relacionamento entre elas. É lógico que elas estão amadurecendo a cada dia, mas eu vejo muito potencial nelas.
A classificação aos Jogos de Tóquio-2020, com duplas mais experientes na disputa, lhe surpreendeu?
Existiam equipes mais preparadas que elas, mas a Rebecca e a Ana Patrícia apareceram de uma hora para outra e souberam se firmar, mostrando um grande potencial individual e uma grande química como dupla. Ainda não conseguimos fazer nem 50% do que a gente pretende fazer com elas, o que requer muito tempo de trabalho. Precisamos polir as duas jogadoras, queremos desenvolver qualidades na Ana Patrícia e fazer a Rebecca ficar ainda mais ágil no fundo de quadra.
Quais mudanças táticas enxerga no vôlei de praia brasileiro desde o início da carreira?
Eu sempre fui para os Jogos Olímpicos brigando pela medalha de ouro. Mas também sempre fui com a “porta fechada e a janela aberta”. Historicamente temos bloqueadoras um pouco mais baixas no Brasil em relação aos times de fora. Agora eu tenho uma craque na defesa e uma gigante na frente. Antes a gente sofria dificuldades quando tinha pela frente uma atleta como a Kerri Walsh, como a Kira Walkenhorst, agora os times estrangeiros que estão temendo. Tenho certeza de que eles estão sabendo que temos uma jogadora dessa altura. Ela é exatamente o que o voleibol do Brasil precisava e temos que encontrar mais atletas como a Ana.
Você está próximo da marca de 100 títulos em etapas do Circuito Brasileiro. São 91 até agora. Como vê essa marca?
Sem dúvidas fico feliz, mas passou tão rápido, eu nem vi passar. Eu acho bacana, tudo que você quer fazer, tem que fazer bem feito. Tive uma carreira curta como jogador, mas como treinador eu sabia que poderia somar ao voleibol, que conseguiria colaborar. Eu levo isso aqui muito a sério, talvez por isso eu tenha muitos títulos. Tenho meu lado brincalhão e talvez algumas pessoas não tenham a dimensão de como levo o voleibol a sério. A nível de títulos internacional, tenho uma medalha olímpica, sou bicampeão pan-americano, o que traduz a minha seriedade no esporte. Mas quero mais, tenho fome por conquistas e almejo o ouro olímpico.
Qual foi o momento mais emocionante vivido no vôlei de praia?
A medalha de bronze na Olimpíada de Londres não tem preço, mas o que me marcou muito, por incrível que pareça, foi o torneio no começo de 2019, na Holanda. Viajamos perto do Natal com Rebecca e Ana Patrícia, o campeonato era do dia 3 ao dia 6 de janeiro. Elas deram uma aula de voleibol, sendo campeãs no dia do meu aniversário. Ana Patrícia anunciou no ginásio e o locutor pediu para o público todo cantar parabéns de pé para mim, chorei igual uma criança. Ficou marcado, a emoção por incrível que pareça foi muito maior que Londres. Todos estávamos longe da família, nos sacrificando por um objetivo.
Quais aspectos acredita que Ana e Rebecca podem evoluir?
Podemos melhorar a capacidade de enxergar o jogo do adversário, procurando entender os pontos fracos. Porque não tivemos tempo de leitura dos adversários, basicamente. O final de 2018 e o início de 2019 foi o primeiro ano regular delas no Circuito Mundial. Como foi tudo muito rápido, os olhos delas estavam sendo os meus olhos. Nós fazíamos uma preleção antes dos jogos, traçávamos uma linha para o jogo e elas acreditavam cegamente. Quando elas enxergarem com os próprios olhos, com o tempo de maturidade que o jogo dá, e visualizarem da forma como eu visualizo, nós vamos dar um salto enorme. Além de algumas qualidades individuais. A Ana Patrícia é uma jogadora muito alta, já bloqueia muito, já incomoda bastante, temos que aumentar a quantidade de bloqueios por set e, pela altura, melhorar a qualidade do saque. Com a melhora do saque, a bola vai voltar um pouco mais lenta para nossa quadra e com isso, vamos precisar polir nosso contra-ataque. Isso vai nos credenciar a sempre estar entre os primeiros colocados, inclusive na Olimpíada.
Qual aspecto específico da carreira de treinador que mais lhe satisfaz?
Eu sou apaixonado pelo meu dia-a-dia, acredito que o jogador já sai de casa campeão. A competição é realmente só a ponta do iceberg. Eu procuro ensinar não só a parte técnica, mas também toda a malandragem que o vôlei de praia necessita. Não adianta o atleta não entender a razão de determinado treinamento. Ele precisa saber o motivo. Não adianta pedir para ele sacar do lado direito e no fundo da quadra se ele não souber o motivo dessa ação. Eu tenho umas táticas que a maioria dos treinadores não utilizam e isso me faz estar entre os melhores. Isso me fascina, o meu dia a dia é o meu combustível diário. Na competição, é como observar meus filhos aprendendo a andar de bicicleta até conseguirem pedalar sozinho. Eu observo, procuro deixar que Ana e Rebecca tomem as decisões, tento deixar que enxerguem o caminho. Só interfiro quando elas não conseguem tomar as decisões sozinhas.